A exploração dos corpos negros nunca cessou, apenas se adaptou aos interesses do mercado
A ideia de que vivemos em uma sociedade mais justa desmorona diante dos fatos. Como já alertava Lélia Gonzalez, “O censo de 1980 está aí demonstrando que, por mais que tentem negar, a hierarquia permanece”. Décadas se passaram, mas a estrutura social segue intacta, enquanto as narrativas apenas se transformam. Corpos negros, femininos, dissidentes e periféricos continuam enfrentando o mito da meritocracia, enquanto a desigualdade se refina sob novas justificativas.
Se a hierarquia racial continua firme, o discurso da diversidade parece ter sido apenas um artifício passageiro. Nas últimas semanas, grandes corporações têm abandonado suas políticas de inclusão como quem arquiva uma campanha publicitária ultrapassada. Google, Meta, McDonald’s, Accenture, Target – a lista de empresas que silenciosamente recuam cresce sem surpresa. Nos Estados Unidos, onde o cenário político flerta novamente com a supremacia branca institucionalizada, companhias ajustam suas estratégias para se alinhar a um possível retorno do trumpismo. No Brasil, seguimos o mesmo roteiro, transformando a diversidade em um slogan vazio.
A meritocracia, repetida exaustivamente, se camufla como verdade. O conceito de que o talento individual pode suplantar séculos de desigualdade estrutural não passa de um engodo. Frantz Fanon, em Pele Negra, Máscaras Brancas, já denunciava esse mecanismo psicoexistencial ao afirmar que “o branco se dedica a se apossar da condição de ser humano”. A lógica colonial persiste, agora renovada pelo capitalismo, que não apenas explora, mas molda corpos e subjetividades conforme suas demandas econômicas. A suposta ascensão social de negros no mercado de trabalho é apenas mais uma versão do que Célia Marinho de Azevedo definiu em Onda Negra, Medo Branco – a elite se reorganiza para manter seu poder enquanto finge permitir mudanças.
O Fim das Políticas de Inclusão: Retrocesso ou Estratégia?
O desmonte das políticas de diversidade corporativa não é um acaso, mas um reflexo de um movimento maior. Nos EUA, a Suprema Corte revogou a affirmative action nas universidades, pavimentando o caminho para que a exclusão retome sua forma original. Na Argentina, o governo Milei extinguiu secretarias de gênero e cortou recursos para iniciativas de inclusão. No Brasil, os ataques seguem o mesmo padrão: cortes em bolsas de pesquisa para mulheres, tentativas de revogar cotas raciais e a narrativa que reduz a luta por direitos a um “mimimi” – como se não bastasse a necessidade de ser melhor, mais forte e mais resiliente apenas para existir.
O capitalismo e o racismo sempre estiveram entrelaçados. Fanon já alertava: “O racismo não é um reflexo da história, ele é um dos elementos de estruturação do capitalismo”. A hierarquia social não apenas marginaliza, mas lucrando com a exclusão. Não à toa, desde o século XIX, a elite se pergunta: “O que fazer com o negro?”, como descreve Onda Negra, Medo Branco. A resposta sempre foi clara: invisibilizar, explorar e marginalizar.
A exclusão sistêmica persiste porque as elites temem a ascensão das massas. Lélia Gonzalez expôs esse mecanismo ao demonstrar como a sociedade brasileira mantém populações negras e periféricas em condições subalternas, perpetuando a desigualdade com a falsa ideia de uma democracia racial que nunca existiu.
O Mercado Ainda Mercantiliza Corpos Negros
A exploração do trabalho negro não terminou com a abolição da escravidão – ela apenas se modernizou. O capitalismo continua reinventando formas de expropriação e violência. Se no passado o Brasil marginalizou negros recém-libertos através das políticas imigrantistas, hoje o discurso é outro, mas a lógica permanece: ao retrocederem nas políticas de diversidade, as empresas reafirmam que a mercantilização dos corpos racializados segue ativa, apenas sob uma nova roupagem neoliberal.
O Que Fazer?
A resposta está na organização, na resistência e na ocupação de espaços. Diversidade não é uma tendência, mas uma urgência. Não é uma escolha, mas um direito. Não é um favor, é uma obrigação. Se o capital se recusa a se adaptar, que enfrente as consequências de um mundo que não aceita mais ser invisibilizado.
A falsa meritocracia continua sustentando a supremacia branca, enquanto o capitalismo opera como um engenho renovado de expropriação racial. O discurso corporativo da diversidade está ruindo porque, no fim das contas, nunca foi sobre justiça, mas sobre rentabilidade. A luta, no entanto, continua. E se há algo que a história ensina, é que a resistência sempre encontra um caminho.